SCarola-Carolina
“... desligados, precisam conectar-se”... (Balman)
Nada existe com a garantia explícita da permanência, pois tudo está sujeito à transitoriedade, à fragilidade dos laços humanos sejam eles de que natureza for, pois nada vive para sempre. Existe também a constatação por vezes cruel da fragilidade dos sentimentos, dos desejos conflitantes que unem e se desfazem numa necessidade cada vez mais fremente e imperiosa de unir e afrouxar laços, desfazer e refazer vínculos que julgávamos indissolúveis e imorredouros. O super homem de Nietzsche de repente, tornou-se frágil, dependente de uma sociedade que exige a cada hora, novos valores, de imprescindíveis talentos para a resolução do paradoxo: a crescente necessidade de conectar e desconectar-se do parceiro idealizado, a necessidade de reviver momentos de paz longe dos problemas, encargos e desejos do outro com o qual, em determinados momentos, não conseguimos nos ligar verdadeiramente. Abandonados dentro de nossas aspirações entramos em desespero pela falta do outro, entregues a confusos sentimentos ambíguos, tememos não suportar a onda de desejos conflitantes entre o querer com toda uma bagagem de responsabilidades e a determinação de romper laços na busca de uma individualização, e queremos então nos libertar das imposições, de estar ligado e ao mesmo tempo feliz por comungar sentimentos de forma fiel e sincera. Essa dualidade de conviver entre dois opostos: o sonho e o pesadelo atropelam nossos pensamentos que se fragmentam entre o necessário e o inadmissível: o que se revela à nossa consciência como um sentimento perturbador, uma ameaça, uma atração incontrolável e a necessidade de salvaguardar nossos momentos de paz interior na degradante solidão a que nos entregamos movidos pelo medo. Medo das esperanças, dos momentos da amargurada desilusão quando vemos nossos sonhos se esvaindo como miragens miraculosas e inexistentes. A incauta paralização de nossas ações ante o medo de perder, de nos sentirmos uma vez mais abandonados, soltos, livres num universo de dependências, mas cruelmente solitários ante a necessidade de agitação em meio ao arrefecimento das sensações. Nessa incapacidade de registrar qual verdade escolher, a paralisia ou ação, nos levam a procurar situações nas quais precisamos preencher o que necessitamos sem as algemas que nos ligam permanentemente ao outro. Queremos o amor, mas... Um amor que não sufoque que afague sem oprimir, que nos retenha em suas malhas de satisfação sem nos aprisionar, decepando tentáculos de obrigações e deveres, sendo livres e ao mesmo tempo serenamente unidos ao outro a quem supomos amar nesse universo infinito de possibilidades. No entanto, o coração sabe e identifica. O toque, o olhar, reconhece a presença que nos faz atravessar séculos à procura do sentimento que fez fremir nosso corpo e alma, embebidos no despertar de emoções esquecidas nos projetando de novo à vida que julgávamos vazia, árida e sem sentido. Um sentir inigualável que nos faz reconhecer no outro, transcendendo o tempo, aquele que nos acompanha através das vidas sucessivas e tudo, de repente, perde a importância. Temores, racionalizações e choramos e sofremos, abrimos nosso coração às doces alegrias do despertar da consciência num ritmo contínuo de reconhecimento e perplexidade. Um sentimento forte e incontrolável de segurança e confiança quando aos poucos erguemos o véu das lembranças e as intuições disparam uma corrente, um fluxo de energia que inebria cada átomo do nosso ser e de repente... O querer e o não querer. O receio da coagulação, da estagnação, do fracasso, da ausência do outro do rompimento da bolha dentro da qual nos encerramos acreditando serem verídicas, todas aquelas luzes criadas no mundo colorido da bolha de sabão. Duas possibilidades nos encerram dentro desse universo de prolíferas indagações, reticências e respostas indecifráveis. Estar junto quando nosso corpo pede, necessita e regurgita de prazer e desligar-se quando fartos nos envolvemos em outra rede de conexão dentro da qual ansiamos pela liberdade a fim de não nos restringir à vontade poderosa do outro. E é aí que surge a incoerência inevitável nos levando ao olho do furacão ameaçando expandir-se numa velocidade crescente, aniquilando e promovendo a ambiguidade dos sentimentos confusos e perturbadores como se a qualquer momento pudéssemos voltar a nos religar, sem nos prendermos definitivamente à pressão a que esse relacionamento nos induz, sem rendição. Entretanto, dentro desse mundo inóspito e conflitante o que é real? E o que virá depois da concretização, a morte advinda da realização? Nessa fase dos sentidos o gozo se transforma em insatisfação, ansiedade ou depressão; enquanto que no período dos sentimentos o prazer derrapa em paixões possessivas que dão margem a tragédias e angústia tão logo se sintam saciados... A necessidade de amor e a impermanência nesse estado gera um desequilíbrio ante o medo de viver no esquecimento, e o receio de perder o controle tornando a vida um inferno de sofrimento inevitável. Esculpir dentro de nós o anjo, arrancando de lá a golpes de bigorna, o demônio ameaçador da nossa liberdade e da nossa individualidade conflitante. Faz-se urgente a superação, a aceitação das nossas necessidades das nossas incoerências, amadurecendo nossos sentimentos para o crescimento interior a fim de conquistarmos a plenitude. E ansiamos pelo amor, mas um amor que não nos aprisione, que quando nos locupletarmos de prazer possamos desligar volvendo à nossa rotineira ambiguidade, mas com a possibilidade implícita de retornar a essas mesmas emoções cada vez mais estonteantes e realizadoras sem nos rendermos à tensão e à pressão do “meu”. Algo que esfacelado, no momento oportuno torne a se recompor. Amor e rejeição. Estar só, estar atrelado e alinhado ao outro com padrões determinados de incoerência e perplexidade. Êxtase e furor! Vida e Morte no amor concretizado enquanto a busca recomeça a partir do nada, da transitoriedade e efemeridade do momento em que desnudamos a escuridão e nos volvemos estarrecidos pela luz, vulneráveis, excitados ante a perspectiva do que virá depois... Perplexidade e assombro ante os sentimentos conflitantes e impetuosos. A excitação arrasadora e inevitável e o fastio, a evasão, o encolhimento dentro da nossa concha, ensimesmados, reticentes temendo pela nossa falsa independência, liquidificando laços e amarras para nos sentirmos, uma vez mais, donos do patrimônio do nosso destino, dos nossos sentidos e nos abstraímos... Não percebemos que o essencial foi deixado por nós em plano secundário na paisagem psicológica das nossas aspirações conflitivas sem a importante descoberta da transcendência do Eu, a identificação do Eu profundo realizando a harmonia íntima com metas e ideal superior, nosso real objetivo existencial. Mas o amor sem apego nunca é obsessivo, portanto faz-se libertador, infinito não se confundido com a posse na busca do relacionamento sexual e do domínio pessoal. Até quando nos sentiremos acossados por essas emoções contraditórias e perturbadoras? Até quando abrigaremos ideia de que somos únicos, que sobreviveremos dentro de nossa individualidade, que nos bastamos sem a necessidade explícita de comungar com o outro nossas ambíguas sensações de desejo e repulsão, de amor e de prazer?
Esse ser humano violentado e ferido por contraditórias emoções, somos todos nós.
Scarola Carolina
Amar sem apego é algo que temos que aprender, é um longo aprendizado. Não ter medo de amar pelo sofrimento que isso causa é um ato de covardia (somos covardes, é verdade!). Amar dói mas também causa tanta felicidade, sonho e alegria. Espero que o conectar e desconectar seja uma coisa natural, mas que concectar seja maior que o desconectar. Amar sempre vale a pena! Lindo texto de Scarolla sob as luzes de Bauman.
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