Ainda me lembro apesar dos anos que se foram...
Ah! Como o tempo passou tão depressa? Sinto-o escorrer por entre os meus dedos que em vão, sempre tentava detê-lo.
A tarde ensolarada, os olhos ansiosos à espera da construção final do meu trabalho, uma canção feita de cores, de luz e encantamento, pura magia.
E eis que de repente, ali, entre minhas mãos surgia como mágica, nas estonteantes cores, a pipa, radiante de promessas, no bailado fugidio das rabiolas luminosas e entrelaçadas, pendentes, sôfregas de aventura e devaneios...
Depois, os dedos ágeis tocando-a, o riso doce e cristalino, e outros olhos à espera, ansiosos...
Depois, uma a uma... Um ritual de amor e fantasia.
E a alegria!. O campo levemente florido pela estação, o cheiro do mato verde, o sol, o vento e as pipas fendendo o ar na algazarra sutil de quem descobre a vida e governa o mundo...
A emoção tremulando em meio à brisa adocicada de uma tarde de verão enquanto ali, bem perto, as faces róseas, ardentes de sol e de esperança...
- Cuidado aí, gritava o garoto de calças curtas ao outro que, desafiante, erguia as mãos em solavancos, provocando a subida vertiginosa da pipa feita de cores e esperança.
- Olha como ela sobe, gritava ainda o outro, irreverente e atrevido, olhos repletos de satisfação, atiçando a pipa aos solavancos, dando linha, como um dia o faria em seu próprio destino...
E com tamanho deslumbramento, o céu escancarando o azul, parecia maior enquanto a abóbada anil se expandia para que as pipas esvoaçantes feitas de sonho peregrinassem pelos flancos de ouro da tarde irrequieta em busca do entardecer.
Jamais poderei esquecer o brilho dos olhos, as mãozinhas ansiosas, o olhar febril e sôfrego de emoção... e, após tanto riso, o grito angustioso, a decepção...
- Rasgou a minha pipa! Soluçou o terceiro.
A voz chorosa, o grito alucinante, a dor da perda. Apenas as primeiras lições que a vida nos ensina. Mas logo, lá ia eu...
Papel, tesoura cola...
- Cadê o bambu? A mãe replicava ao garoto que, displicente enxugava uma lágrima atrevida entre sorrisos de alegria pela reconstrução...
- Aqui, mãe. Depressa! A tarde está acabando!
E as mãos ágeis, iam refazendo os sonhos, ainda presos, ansiando talvez, com a liberdade nas investidas sutis em busca daquele cerúleo ou daquele esplendor dourado iluminando o dia.
Ah! Ainda me lembro... A dor irremediável enquanto o tempo, girando, girando nas cornucópias indeléveis da vida seguia sem descanso, sem se importar com as perdas inevitáveis e necessárias pelas quais temos que aprender.
Tanta pressa de viver, de descobrir a vida, fazendo das pipas o corpo, alma e mente naquelas investidas irrequietas, rasgando o ar num desafio de cores e rebeldia.
O ritual da vida se espargindo pelo mistério das horas murmurantes, indiferente ao nosso desejo irreprimível de conte-las, e manter junto ao peito as pérolas de amor que um dia gerei com ardor.
Os donos dos sonhos coloridos, pedaços de minha alma, meus três amores! ( que como as pipas, um dia se elevando às alturas aprenderam a voar e livres iniciaram o caminho deslumbrante da vida...)
Scarolla Carolina
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